ARTIGOS
Práticas Bruxas na Igreja Católica - 3ª Parte
Além dos Festivais
Ao compararmos os sabates com os festivais católicos, podemos observar o
quão similares são a Roda do Ano para a bruxaria e o ciclo anual para o
catolicismo, mas, apesar de haver uma diferença fundamental e decisiva
entre os sistemas monoteísta e politeísta, as similaridades entre uma e
outra opção religiosa vão muito além dos festivais, atingindo desde
algumas práticas características e oficiais de cada forma de
religiosidade até algumas rotinas de cunho mais pessoal e,
ocasionalmente, não autorizadas oficialmente pela autoridade religiosa
formal.
É recorrente, entre várias vertentes da bruxaria, em especial os grupos
wiccanos, a celebração do pão e do vinho em forma escandalosamente
similar à consagração do pão e do vinho católica , mas isto é óbvio
demais para merecer nossa atenção. Em lugar disto, consideremos, por
exemplo, os sacramentos do catolicismo: o batismo (ingresso na religião
sem participação ativa); a eucaristia (início da participação
comunitária na religião); a crisma ou confirmação (início de
participação ativa no exercício da religião); a ordenação (assunção de
função sacerdotal); a penitência (perdão divino); o casamento
(compromisso entre os membros de um casal); a unção aos enfermos (cura).
Em lugar do batismo, há um ritual bruxo de apresentação à Lua; ao invés
da eucaristia, a iniciação (primeiro grau - alcoviteiro/a) permite que
se participe de rituais com outros membros do grupo; semelhante à crisma
é a elevação ao segundo grau entre os bruxos (grau de feiticeiro/a),
quando o bruxo começa a aprender e a exercitar diversas práticas bruxas;
a ordenação é o mais claro equivalente à elevação ao terceiro e último
grau da bruxaria, quando o bruxo passa a ser chamado de bruxo em senso
estrito e se torna verdadeiramente um sacerdote.
Não há, entre os bruxos, o conceito de pecado a ser perdoado, mas assim
como a penitência católica livra o pecador do mal do qual ele era
portador, o aterramento retira do bruxo (senso amplo) o excesso de
energia e as energias desarmônicas.
Por último, a unção aos enfermos encontra seu equivalente em diversos
rituais de cura bruxos, com ou sem a aplicação de óleos ou ungüentos,
curas que foram a tônica principal das antigas bruxas de aldeia típicas
de diversas tradições européias, uma das quais deu origem à linhagem do
autor.
Sacramento (catolicismo) - Ritual/Prática pagã (bruxaria) - No que consiste
Unção aos enfermos - Rituais diversos e específicos - Cura.
Casamento - Enlace de mãos - Compromisso de casal.
Penitência - Aterramento - Purificação.
Ordenação - Elevação ao 3º Grau - Início do sacerdócio.
Crisma/Confirmação - Elevação ao 2º Grau - Início da participação ativa.
Eucaristia - Iniciação - Início da participação comunitária.
Batismo - Apresentação à Lua - Ingresso na religião.
O que dizer, então, da bênção? Que diferença teria entre uma e outra
religião? Que diferença teria entre as bênçãos das mais diversas
religiões? A imposição das palmas com ou sem os dedos em posições
específicas acompanhada da intenção/concentração no sentido de emanar
algum tipo específico de energia em direção ao abençoado. Todas tão
iguais...
A prece, cuja primeira estampa parece ter sido o ofício das antigas
carpideiras egípcias, que acompanhavam o féretro com suas lamúrias em
prol do falecido, se difere entre católicas e bruxas, será apenas nos
deuses para os quais apelam e, em menor grau, nos gestos que empregam.
Por fim, um tanto à margem da Igreja nas últimas décadas mas muito
populares até a primeira metade do século XX, as rezadeiras católicas
são facilmente confundidas com as bruxas de aldeia acima mencionadas.
Seus recursos eram encantamentos e feitiços dignos de iniciadas de
segundo grau na bruxaria, desde rezas com facas para debelar verrugas
até passes acompanhados de preces para retirar o mau olhado. O êxtase
místico a que se submetiam as rezadeiras, embora pudessem usar métodos
consideravelmente diferentes ou não dos das bruxas, tinham dois
objetivos em comum: visões oraculares e/ou obtenção de bons conselhos.
Quem, com mais de trinta anos de idade, não teve na família, na geração
de sua avó ou bisavó, uma boa cristã que freqüentava a missa com prazer e
regularidade ao mesmo tempo que distribuía receitas de simpatia, as
famosas mezinhas lusitanas, que hoje veiculam em revistas esotéricas de
qualidade duvidosa?
Se tanto o leigo quanto o editor especializado tem dificuldades em
vislumbrar as fronteiras entre as práticas da bruxaria e do catolicismo,
só o ressentimento deve impedir as duas expressões de religiosidade de
se aceitarem mutuamente...