ARTIGOS

Práticas Bruxas na Igreja Católica - 2ª Parte

A Metade Clara da Roda do Ano nas Comemorações Cristãs

Ao contrário da Metade Escura da Roda, nem todos os sabates da Metade Clara encontram correspondentes tão evidentes em eventos do calendário cristão. Sendo um tempo de plenitude, de gozar a vida e realizar, a Igreja, por preferir o celibato e a resignação, destilou mais os sabates da Metade Clara antes de incorporá-los modificados às comemorações cristãs. Os dois primeiros sabates da Metade Clara parecem estar combinados em um só período de festivais cristãos, e os dois demais, correspondem a práticas que, apesar de não terem sido oficializadas pela Igreja, foram muito bem recebidas em seu seio.

Em 1º de maio, no hemisfério norte, se comemora Beltane. À noite, as bruxas medievais dançavam ao redor de uma fogueira, celebrando o triunfo do dia sobre a noite. O Sol aquece os sentimentos suaves da primavera e os campos começam a ser fertilizados por seu calor. O frio do inverno se tornou apenas uma lembrança e, para se colocar em fase com o momento, absorver as energias da natureza e contribuir com a fertilidade do solo, oferecendo-lhe sua própria energia, casais faziam amor nos campos, à luz da Lua, o que levou Beltane a ser um dos sabates mais odiados pela Igreja.

Quando chega o solstício de verão, comemora-se a plenitude do Sol no sabate Litha, pela tradição celta, que nós, da bruxaria ancestral chamamos de Festa do Sol. Colhem-se ervas e a terra oferece suas primeiras colheitas. Tudo é enfeitado com flores e o calor evoca os prazeres mais diversos: gastronômicos, estéticos, olfativos, auditivos, sensuais e outros. Ao mesmo tempo que o sono começa a afetar, é a época de realizar, de aproveitar a energia do Sol que é despejada sobre os bruxos.

À primeira vista, não se percebe o quanto dois sabates tão malquistos pela Igreja foram assimilados por ela, mas os elementos em comum são tão evidentes que não há como contestar o fato. Ao longo do mês de junho e julho ocorrem as Festas Juninas, homenageando-se São João e Santo Antônio. Acende-se uma fogueira, como a de Beltane, dança-se ao redor dela, como em Beltane, se celebra o "casamento na roça" em honra a Santo Antônio, assim como os bruxos realizam a união carnal em espaços abertos em Beltane, as danças de São João são de mãos dadas, assim como também o é a dança das bruxas ao redor da fogueira, muitas das comidas típicas das festas juninas são à base de farinha de milho, além do próprio milho cozido, sendo este um alimento tido como solar por todas as tradições esotéricas. Não podemos deixar de notar, ainda, que a Semana Santa se comemora também neste período (entre maio e junho), e assim como o Natal representa o nascimento de Jesus e a Semana Santa comemora sua plenitude e crucificação, a Festa do Inverno comemora o nascimento do Sol e a Festa do Sol sua plenitude e queda.

Dentro da Semana Santa, Corpus Christi representa sua presença entre nós na eucaristia. A Festa do Sol não fala da hóstia, mas partilha o pão como manifestação do Deus na Terra.

Onde a Igreja silenciou, permaneceram nas tradições locais, aparentemente desvinculadas de significado religioso, práticas como a de pular a fogueira. Para os pagãos, o significado é muito claro: pula-se a fogueira para se purificar e para afastar de si todo o mal que esteja no encalço.

Restaram, também na tradição popular, algumas variedades da dança das fitas que compõe o cerne das comemorações diurnas de Beltane, com a participação de crianças ou de jovens. Eleva-se um mastro, chamado pelos pagãos de mastro de maio, que simboliza o falo do próprio Deus. Em seu topo são amarradas fitas coloridas cujas pontas são seguradas por jovens ou crianças e que, à medida que evolui a dança ao redor do mastro, se cruzam e se descruzam, acabando por formar uma trama que envolve e aperta o mastro, simbolizando o órgão sexual da Deusa abraçando o falo divino. Apesar de toda a dificuldade da Igreja em assimilar ritos de fertilidade como estes, os rituais foram quase integralmente preservados, apenas caindo no esquecimento seu significado original pagão.

Assim como a Festa do Sol é o ponto de poder máximo do Sol, é também a partir deste dia que suas forças começam a declinar. Isto só passa a ser notado no sabate seguinte, Festa da Cornucópia (Lammas, na tradição celta), que se realiza em 1º de agosto no hemisfério norte.

Por outro lado, a Festa da Cornucópia e a Festa das Graças (equinócio de outono) são marcadas pela abundância de alimentos provenientes das respectivas safras. Embora não exista um festival cristão que corresponda a tais sabates, existe uma comemoração relativamente recente que caiu nas boas graças da Igreja onde os sentimentos evocados são exatamente os mesmos dos destes dois sabates, em especial a Festa das Graças. Nos referimos ao Dia de Ação de Graças, ocasião em que, diante de uma mesa farta, agradecemos a fartura e partilhamos, em família, os alimentos, considerando-os como dádivas divinas.

Apesar de a abundância ser maior na Festa da Cornucópia, o aspecto da partilha é mais marcado na Festa das Graças, que é comemorada no equinócio de outono. Todavia, como, a partir do equinócio, os dias se tornam menores que as noites, acrescenta-se neste sabate uma preocupação com os dias futuros. Os bruxos colhem o que o Sol e a terra lhes propiciou, mas já começam a se preparar para períodos de dificuldade. Aqui, assim como ocorre nas festas cristãs de Cosme e Damião, quem tem reservas oferece alimentos aos menos abastados.

A Festa das Graças é o último sabate da Roda do Ano. Até que chegue o Tempo dos Idos, colhem-se os frutos já pensando na vinda dos tempos difíceis. Um novo ciclo de plenitude e queda se cumpre para bruxos e cristãos, contando os quatro festivais pagãos da metade clara e diversas comemorações cristãs que abordam diferentes aspectos dos mesmos sentimentos evocados pelos bruxos.

Beltane - Festas Juninas
Festa do Sol - Semana Santa
Festa da Cornucópia - Ação de Graças
Festa das Graças - Ação de Graças e S. Cosme e S. Damião

Mas os pontos em comum entre as práticas bruxas e as práticas cristãs vão muito além dos festivais.

No próximo segmento, apontaremos exemplos de como os cristãos, incluindo sacerdotes, realizam, sob as bênçãos da Igreja, práticas como a magia, que o senso comum, erroneamente, atribui exclusivamente a pagãos e, em especial, a bruxos.