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Civilização Avançada

Por força de diversos indícios e algumas evidências, que não convém indicar aqui por não ser o objeto da presente análise, postulo que houve outras civilizações avançadas antes da atual. Mas ao defender tal idéia, me deparo com uma crença generalizada de que "nunca houve civilização tão avançada quanto a atual". É esta a certeza que pretendo abalar.

Antes de abordar o assunto propriamente dito, é preciso compreender melhor o que significa a expressão "civilização avançada". Quais são os reais argumentos escondidos por trás de tais palavras enganosas?

Civilização representa um estado de adiantamento cultural e social específico, enquanto avançada significa adiantada. Então, devemos admitir que a civilização é caracterizada pela cultura e o avanço requer um ponto de referência inicial.

Quando se fala em civilização avançada, estaríamos, intencionalmente ou não, nos referindo a uma cultura mais adiante, e se este adiante for no tempo, somos pegos numa armadilha, pois ao desenrolar do tempo uma civilização é sempre mais e mais avançada do que era no dia anterior, mesmo que esteja em plena decadência até o ponto de desaparecer. Busquemos, então, outra referência para este "avanço", digamos em termos de resultado. Isto parece satisfatório, uma civilização mais avançada seria a que oferecesse melhores resultados. Porém, somos pegos noutra armadilha, uma vez que os resultados só são mensuráveis a partir da definição de metas, e as metas só podem ter sua relevância julgada a partir da escala de valores de uma determinada cultura. O que é, então, uma civilização avançada se não aceitarmos uma definição que não se converta na presunção de que "somos os melhores porque nos aproximamos mais daquilo que consideramos que deva ser buscado"?

Melhor abandonar a busca de um significado sensato para a expressão "civilização avançada" e tentar deduzir o que as pessoas pensam quando usam tal expressão. E aqui, nos dividimos basicamente em dois grupos: 1) os que consideram que o ser humano é mais ético do que era antes; 2) os que consideram que a tecnologia nos permite realizar muito mais do que antes.

Cada consideração nos remete a uma pergunta específica: 1) O ser humano é, de fato, mais ético do que antes?; 2) podemos realizar hoje, com nossa tecnologia, mais do que no passado?

Em se tratando de ética, já é necessário ressalvar de início que conceitos éticos flutuam ao sabor dos valores sociais. Mas, fazendo uma força extrema para considerar que alguns valores podem ser considerados perenes, uma vez que são comuns a diversas épocas e culturas, podemos analisar a suposição de que a sociedade atual é mais ou menos ética do que no passado. Quais os valores fundamentais? O respeito à vida? O respeito à liberdade? O direito à livre-expressão? A auto-determinação dos povos?

A civilização, em seu estado atual, é marcada pela violência, mais que no ano 3.500 A.E.C. (Antes da Era Comum) e não menos que em qualquer data posterior ao ano zero (E.C.), considerados em conjunto a violência urbana, a pirataria, a guerra, o terrorismo, ditaduras como a chinesa, intervenções noutros Estados sem o apoio da comunidade internacional, como a norte-americana e violações aos direitos humanos como, novamente, no caso norte-americano, para não entrar em assuntos ainda mais polêmicos, como a vivisecção de cobaias até mesmo em escolas primárias e os maus tratos a animais em nome da ciência, da alimentação humana ou do lazer.

Não, neste sentido não me parece termos avançado um só passo em relação ao início da atual civilização.

Então resta analisar o último argumento: onde estão os arranha-céus, os satélites artificiais, os prodígios da biotecnologia de uma civilização anterior à atual? Não somos o máximo?

Ora, nossa civilização é o resultado de nossos valores, e nossos valores são nossos, não de outras civilizações. Se usamos concreto e aço para construir arranha-céus, nos orgulhando deles, civilizações passadas poderiam se orgulhar de construir cidades perfeitamente conjugadas com a natureza, de construir cidades que, uma vez abandonadas, seriam degradadas pela própria selva. E tal suposição não é leviana, pois representa uma característica comum a diversos povos antigos. Lembro que os celtas chegavam a determinar um tamanho ótimo da população de uma cidade, e a cada vez que a população dobrava de tamanho, metade dela deixava a cidade e buscava outro lugar para fundar uma nova. Assim, mesmo sem serem nômades, ocuparam praticamente toda a Europa. E o que dizer dos jardins suspensos da Babilônia? Não indicam a vontade de compatibilizar arquitetura e natureza assim como as pilastras egípcias com desenhos de flores de lótus e de papiros?

Mas retornando à pergunta, será que nossa tecnologia veio crescendo a ponto de hoje podermos fazer muito mais que no passado?

Discordo. Em primeiro lugar, não sabemos o que foi feito no passado e para onde apontavam as metas de nossos ancestrais. Não sabemos quais remédios tinham, nem que equipamentos utilizavam, mas a tecnologia do século XX não foi suficiente para carregar pedras de templos que foram submersos sob as águas da Usina de Assua sem que fossem partidas em pedaços menores; o milho que hoje comemos foi geneticamente modificado em algum ponto do passado que se perdeu na história, não nascendo espontaneamente na natureza; povos como os dogons, em Mali, já dispunham por tradição de informações específicas sobre as estrelas Sírus A, B e C, sendo que só Sírius A é visível a olho nu e Sírius C só foi conhecida pela ciência em 1995.

Para uma civilização que se considere no ápice e ainda crescendo, não deveriam poder e saber mais que relíquias de tempos idos e esquecidos?

Mas não poderia encerrar este texto sem uma terceira opção para definir "civilização avançada" que nos fosse útil, muito embora reconheça ser indissoluvelmente mesclada a um credo filosófico-religioso.

Como bruxo, considero que evoluir espiritualmente é ordenar como prioridades as conquistas de natureza espiritual acima das de natureza material. Em conseqüência, civilização avançada seria aquela caracterizada pelo respeito e cuidado com a matéria, mas sob o serviço dos valores mais elevados.

O que vemos hoje é o contrário disto. Nunca, na história da humanidade, o ser humano foi mais materialista que hoje. Nunca tantos se dedicaram tanto a acumular, em prejuízo de sua saúde, de sua família, de seu aprendizado, de sua honra, até mesmo de seu prazer de qualquer espécie. Nunca o consumismo chegou até a mais humilde das classes sócio-econômicas, pois hoje o mais pobre dos pobres está sujeito ao apelo do material, ao consumo pregado na mídia, no palanque eleitoral, no dia-a-dia nos mais diversos lugares, adentrando até mesmo algumas instituições religiosas e sociedades secretas de cunho esotérico.

Tudo, inclusive as pessoas, se transformam em máquinas de fazer e ganhar dinheiro, e quem não tiver tal potencial é posto à margem da sociedade. Filhos são calculados em cifras, como nunca antes, o quanto custam para os pais, o quanto custam para a cidade, o estado e o país. Povos são destruídos em nome da busca por insumos para a indústria, países invadidos em busca de petróleo e da venda de armamentos, vidas são destruídas em busca de bens e serviços que, no fundo, só servem para garantir o status do consumidor.

Mesmo a vida é vendida, a longevidade tem um preço para a farmácia, outro para o médico, para o hospital, para as enfermeiras, para editores de livros que ensinam o que mais você precisa comprar e consumir para chegar aos 100 anos de idade sem sobressaltos.

Considerando o quanto o apego à matéria se institucionalizou, se dizemos que esta civilização é avançada, prefiro entender que ela esteja muito entrada em anos, muito além de onde deveria ter chegado.